Educação para a Cidadania Global: uma visão brasileira
CECIP- Centro de Criação de Imagem Popular. Gratidão à Claudia Ceccon, cujos comentários críticos muito contribuíram para enriquecer este artigo
madza.ednir@terra.com.br / http://www.cecip.org.br / @Madzed
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Este artigo é a versão aperfeiçoada e ampliada da apresentação feita na Journée Educasol “L’Education à la Citoyenneté et à la Solidarité Internationale: Une nécessité sociale” – 29 de Janeiro de 2015, em Paris. Ele começa por apresentar as características da cidadania global, que, em nossa opinião , mais se alinham com as atuais necessidades da sociedade brasileira; em seguida, mostra alguns exemplos de como o Brasil constrói cidadania local e global, através de processos de educação formal e não formal. Algumas práticas em Educação para a Cidadania Global desenvolvidas pela ONG brasileira CECIP são compartilhadas e conclui-se com reflexões sobre os desafios a serem enfrentados, a fim de divulgar a Educação para a Cidadania Global no Brasil.
Palavras Chave – Cidadania Global; Educação para a Cidadania Global, Sustentabilidade; Mudança Social, Transformação
1- Por que a Cidadania Global deveria prosperar no Brasil?
A Cidadania Global (CG) tem muitas definições. No CECIP , costumamos dizer que é a capacidade de perceber interdependências globais, valorizando a diversidade, entendendo que todos os seres vivos estão interligados e reconhecendo que as pessoas de todo o mundo pertencem à mesma raça, a raça humana; à mesma família, a família humana. A cidadania global, na perspectiva daqueles que desejam um mundo sustentável ,pacífico e justo, implica demonstrar, por meio de ações, que se aprendeu a viver junto e a cooperar local e globalmente, com o objetivo de superar a violência, o racismo e a injustiça econômica , social e ambiental . Dos muitos aspectos da CG, os mais alinhados às necessidades atuais da sociedade brasileira são, em minha opinião, o seu poder de promover a democracia; de resgatar valores e habilidades sustentáveis ancestrais, de contribuir para restaurar o orgulho indígena e afro-brasileiros e promover a ligação entre o pensamento crítico e empatia , levando a ações transformadoras.
- A CG floresce na democracia e promove a democracia
Heródoto, o Pai da História, foi, provavelmente, o primeiro ser humano que, devido ao seu impulso de ir além dos limites da própria cultura, poderia ser chamado de cidadão global. Não por acaso, ele viveu na Grécia antiga, o lugar onde a humanidade experimentou a democracia pela primeira vez. A livre circulação de pessoas e ideias geralmente produz uma profunda curiosidade sobre as pessoas de diferentes culturas e o interesse em aprender com elas- uma característica da Cidadania Global. Os regimes autoritários – como os que o Brasil sofreu durante a maior parte de sua história – não gostam de perguntas, odeiam a curiosidade e geralmente sufocam a cidadania local, para não mencionar a global. O Brasil está, agora, aprendendo a exercer a democracia , enquanto critica os seus limites. Interações com outros países também insatisfeitos com as suas democracias favorecem a aprendizagem mútua. Isto é Cidadania Global em ação.
- A CG resgata valores ancestrais sustentáveis de comunidades indígenas e africanas, fortalecendo a luta contra o racismo
Em um evento internacional organizado pela DEEEP (1) na República Checa (Escola de Verão 2012) a primeira palestrante, que acabara de voltar da Conferência Rio + 20, disse uma frase que foi citada pelos participantes durante todo o encontro: “Se você quer saber como superar a crise de sustentabilidade, pergunte à sua avó “. Ela estava se referindo à nossas ancestrais : mulheres pertencentes a comunidades tradicionais muitas vezes belicosas – o bom selvagem revelou-se uma idealização – mas que possuíam uma relação sustentável com o meio ambiente. Comunidades antigas, em todas as partes do planeta, desenvolveram mitos semelhantes, expressando a consciência de que somos todos filhos da Terra. Os povos indígenas da região do Andes chamam a Mãe Terra de Pachamama. Ao contrário dos humanos, Pachamama tem seu próprio poder auto suficiente e criativo para sustentar a vida. (Veja mais em http://info.handicraft-bolivia.com/Pachamama-Mother-Earth-a346 ).
No Brasil, descendemos de um Pai Branco – o colonizador- que se impôs sobre nossas Mães Indígenas ou Africanas. Há muito tempo atrás, essas mulheres sabiam que problemas surgem quando as pessoas abusam da Mãe Terra. Em suas comunidades, apesar das muitas falhas, o poder era distribuído igualmente, os conflitos resolvidos em um círculo por meio do diálogo, a cooperação era a regra e os interesses coletivos eram a prioridade. Estas características essenciais da cultura de nossas mães negras e indígenas, antes desprezadas por representantes da civilização patriarcal branca e cristã, agora são vistas como parâmetros para organizar as civilizações de uma forma sustentável. Elas vem sendo adotadas por cidadãos planetários de todos os lugares. Isto é Cidadania Global a reforçar o orgulho Indígena e Afro brasileiro, esmagado pelos colonizadores europeus; a encorajar a busca por um novo modelo econômico que pare de destruir nossas florestas e envenenar os nossos rios; a apoiar uma nova cultura onde a justiça retributiva punitiva seja substituída pela compreensão das causas da violência e sua eliminação; a ajudar a criar um país unido, sem vestígios de racismo ou discriminação contra quaisquer populações.
- CG implica o encontro do pensamento crítico com a empatia e a solidariedade, resultando em ações sustentáveis (“el Buen Vivir”)
Cidadãos globais em todo o mundo estão se voltando para as comunidades tradicionais para aprender El Buen Vivir, uma filosofia de vida que implica viver em harmonia com a Natureza e com o Outro, comer bem, amar bem, trabalhar com alegria, dançar, meditar e sonhar – porque tudo começa com um sonho. A educadora Equatoriana Rosa Maria Torres oferece uma variedade de fontes para explorar este conceito em http://otra-educacion.blogspot.com.br/2014/07/lecturas-sobre-el-buen-vivir.html.
Citando a ” Lista de Sete Pecados Sociais ” publicada por Gandhi, em seu jornal semanal Young India em 22 de outubro de 1925: “A ciência sem compromisso humanitário é insustentável”. Pensamento crítico, sozinho, não produz ações que levem a El Buen Vivir, com interações mais harmônicas dos seres humanos entre si e com seu meio ambiente. E sem empatia e solidariedade, uma análise correta das causas de uma realidade injusta não vai despertar a vontade e determinação para mudá-la.
Políticas sociais brasileiras recentes como o “Bolsa Família”, que parecem basear-se em uma associação entre pensamento crítico e atitudes de empatia e compaixão , reduziram a pobreza de forma drástica e eliminaram a fome no país.
No entanto, uma vergonhosa concentração de terra e renda continua a existir e o ambiente continua a ser destruído (2). Quando o Brasil – e o mundo – adotarem um modelo econômico coerente com os princípios de El Buen Vivir, a humanidade terá, finalmente, colocado em prática as promessas da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1945 – e a cidadania global será uma realidade universal.
2- Construindo a Cidadania Local e Global no Brasil por meio da Educação
- Processos educativos formais
Alguns dos princípios de uma Educação para a Cidadania Global estão registrados nos Parâmetros Nacionais para a Educação (Ministério da Educação, 1997): … a educação nas escolas deve permitir aos alunos “construir ferramentas para compreender a realidade e para participar em interações sociais e culturais diversificadas, que são as condições básicas para o exercício da cidadania em uma sociedade inclusiva e democrática “” (Introd., p. 45) (…), levando em conta “as questões relacionadas com a globalização, a transformação científica e tecnológica e a discussão dos valores éticos da sociedade “(idem, pág 47). No entanto, implementar a abordagem da Educação para a Cidadania Global nas escolas, implica a existência de um ensino de boa qualidade, ainda escasso no Brasil.
A maioria das salas de aula são lugares aborrecidos , como a mostrada na imagem acima , ou caóticos –nos dois casos, geralmente sem sentido para os alunos e professores. (3)
Características marcantes da cultura brasileira, como a criatividade, a alegria, a solidariedade, a excelência em música, dança, arte, esportes, estão ausentes na maioria das escolas. O aprendizado de atitudes e valores sustentáveis é menos presente nas escolas do que a aprendizagem de habilidades cognitivas. No entanto, podemos ver transformações excitantes em andamento. Muitas organizações da sociedade civil, tais como a Associação Palas Athena www.palasathena.org.br/, Instituto Paulo Freire www.paulofreire.org/, Fundação Roberto Marinho www.frm.org.br/ e Cecip, entre outras, estão colaborando com o Ministério da Educação e Secretarias estaduais e municipais da Educação ,ao preparar educadores para introduzir no currículo o melhor das culturas brasileiras, bem como a dimensão planetária global expressa na Declaração Universal dos Direitos Humanos (Nações Unidas, 1945). Conexões, não só com os recursos de sua comunidade local, mas também com os do mundo, são estimulados.
Na Oi Kabum- Escola de Arte e Tecnologia ( foto acima) , por exemplo, o CECIP trabalha com jovens de escolas públicas que realizam os seus próprios projetos de intervenção social, onde questões locais e globais são abordadas, com utilização das TIC, e retornam às suas escolas para compartilhar o que aprenderam.
A Internet em escolas, é claro, facilita o processo. Uma busca na Internet permite aos estudantes encontrar informações sobre um determinado tema, provenientes de diferentes fontes e analisadas sob diferentes perspectivas. A rede mundial de computadores favorece a colaboração entre as pessoas. E está ao alcance de qualquer estudante urbano brasileiro, representando um poderoso exemplo de como a inteligência coletiva funciona. A Internet tornou possível a qualquer pessoa aprender sobre tudo o que ele ou ela estiver interessado, em qualquer lugar, sempre que ele / ela quiser . O conflito entre esta nova forma autônoma, horizontal e flexível de aprendizagem e as formas tradicionais com que escolas transmitem conhecimento, está ajudando a mudar paradigmas obsoletos. Além disso, a Internet permite a criação de redes de professores e alunos, a nível local, nacional e internacional, unindo escolas movidas pelo princípio de promover interações horizontais entre aprendizes que também são educadores e educadores que são também são aprendizes , tais como a Rede Mundial de Escolas Democráticas (Global Rede de Escolas Democrática http://www.democraticeducation.org/). Inovações são disseminados nas versões online de revistas educacionais, como Pátio (http://www.grupoa.com.br/revista-patio/Default.aspx), Nova Escola (http://revistaescola.abril.com.br/ ) ou em revistas on-line, tais como Porvir (http://porvir.org/).
- Processos educativos não formais
No CECIP, profissionais envolvidos em processos de mudanças educacionais aderem fortemente ao conceito africano de Ubuntu, que está implícito no conceito de “Cidade Educativa”: “Nós somos o que somos por causa do que todos os outros são”. Educação acontece não só no interior das escolas, mas também fora delas. Todos os espaços e adultos (em uma família, escola, cidade, país, mundo) estão a preparar as novas gerações, quer para a sustentabilidade e felicidade ,quer para os seus contrários.
As forças de preconceito e intolerância continuam a agir incansavelmente, é verdade. Mas, aos poucos a aumenta a consciência de que o Brasil pertence a todos os brasileiros e o racismo- herança cruel dos tempos coloniais- deve desaparecer. Além disso, a consciência de que somos parte de uma sociedade civil global sem fronteiras começa a se expandir a partir do círculo restrito de intelectuais, artistas, cientistas e ativistas sociais onde já estava presente, para incluir camadas cada vez maiores de nossa sociedade.
Um indicador disso são as Escolas de Samba, que durante o Carnaval podem transformar temas globais em canções, alegorias e danças que estimulam milhões de pessoas a saber mais sobre o Brasil e a história do mundo,suas realizações e desafios.
A Escola de Samba mostrada na imagem acima foi considerada a melhor no concurso 2014 do Rio. Ela teve como tema a Guiné Equatorial. A polêmica sobre o financiamento da Escola pelo ditador que governa um país extremamente pobre, tem sido uma fonte de educação política , de educação para a cidadania global.
Eventos culturais gratuitos, tais como Bienais de Arte, exposições de artistas famosos de todos os continente, Festivais de cinema, teatro, música e dança internacionais ,são grandes canais de difusão não formal de valores de Cidadania Global, principalmente no que diz respeito á valorização da diversidade cultural. Eventos esportivos globais como a Copa do Mundo de Futebol e os Jogos Olímpicos aumentam o contato face a face entre brasileiros e estrangeiros e ampliam o debate em torno da corrupção e desrespeito aos direitos humanos na sua implementação – um debate em que a dimensão global não pode ser eludida . Economia solidária, justiça restaurativa, cultura da paz e da não discriminação, defesa das populações indígenas, democratização dos meios de comunicação, Internet livre, ecologia, são outros movimentos planetários educativos também presentes no Brasil. A solidariedade internacional entre os movimentos sociais brasileiros e seus correspondentes no exterior aumenta o seu poder para pressionar o Governo rumo a políticas públicas de boa qualidade em todas as áreas.
Um exemplo é a solidariedade internacional com as associações indígenas e com os movimentos sociais brasileiros e organizações que as apoiam, tornando mais difícil a vida para aqueles que cobiçam suas terras ou as tomam, usando violência.
Algumas lições também podem ser aprendidas através dos meios de comunicação, que expõem os espectadores a uma grande diversidade de culturas. Aumenta a consciência de que pessoas de todas as nações compartilham a mesma humanidade, à medida em que o público em geral se choca e comove com imagens de mães, no Brasil e em todo o mundo, perdem seus filhos para uma violência que só faz sentido para a indústria das armas . Além disso, a amizade internacional pode ser um excelente mestre . Turistas ou imigrantes desvendam perspectivas insuspeitas , enquanto brasileiros descobrem que podem comunicar-se com eles, mesmo sem conhecer as suas línguas.
3- CECIP: agentes sociais transformam o mundo, começando pelos seus quintais
“Seja a mudança que você quer ver no mundo”. O CECIP, uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, segue este princípio formulado por Mahatma Ghandi. Apoiamos educadores, jovens e membros da comunidade que estão dispostos a melhorar a qualidade de suas vidas e a qualidade de suas realidades locais. O CECIP foi criado em 1986, (quando a democracia brasileira ressuscitava depois de vinte anos de uma feroz ditadura militar de direita), com a missão de ajudar a democracia recém nascida a crescer, através da comunicação popular e da educação. O CECIP investe em processos educativos democráticos, formais e não formais, a serviço dos interesses dos grandes segmentos da população cujos direitos não são respeitados.
Um alvo prioritário é a educação de boa qualidade, em que educadores e membros da comunidade também são aprendizes; crianças, adolescentes, jovens têm suas vozes ouvidas; e todos eles podem atuar como agentes de mudança, enquanto cidadãos ativos. Desta forma, o CECIP desenvolve ferramentas e processos educacionais que visam a não discriminação, a sustentabilidade e uma cultura de paz .
Trabalhando em parceria com governos, associações comunitárias, organizações nacionais e internacionais, o CECIP usa abordagens baseadas na Pedagogia da Autonomia de Paulo Freire. (Freire participou do grupo de intelectuais e artistas que fundou CECIP). Seus projetos convidam os participantes a pensar criticamente sobre a realidade -o que Freire chama de “leitura do mundo” – a delinear maneiras de mudá-la – e agir. Arte, internet e tecnologias de comunicação são recursos utilizados no processo.
As ações desenvolvidas pelos agentes de mudança em creches, escolas e comunidades são avaliadas, registradas e divulgadas pelo CECIP em livros e manuais em que as tecnologias sociais são disponibilizadas, para serem recriadas. Exemplos disso são livros como:
- Paz em Movimento ( www.cecip.org.br/site/paz-em-movimento/ ), relatando como os alunos de escolas atormentadas pela violência aprenderam a gerir conflitos;
- De Mãos Dadas por uma Creche de Qualidade ( www.cecip.org.br/…/publicacao-de-maos-dadas-por-uma-creche-de-qualidade ), sobre como diretores que trabalham em creches localizadas em uma favela se engajaram na transformação do ambiente educacional das instituições que dirigem ;
• Ideias, Sonhos e Histórias – cultura digital em Nova Brasília , descrevendo como o CECIP gere pedagogicamente um espaço de convivência e aprendizagem construído pelo município do Rio de Janeiro, no meio de uma comunidade pobre e conturbada. www.pracadoconhecimento.org.br/novo/pracas-e-naves/nova-brasilia
Entre 2010 e 2012, participamos do Projeto Global Curriculum – www.globalcurriculum.net – nascido no contexto da DEEEP e suas Escolas de Verão, espaços onde educadores do Norte global e do Sul global podiam estabelecer um diálogo horizontal, promovendo a aprendizagem mútua. O CECIP trabalhou em parceria com ONGs de outros quatro países, três na Europa e um na África. Professores brasileiros descobriram que adotar a perspectiva da Cidadania Global na Educação tornou suas aulas mais significativas para todos os envolvidos. O processo resultou em pequenos projetos liderados por estudantes, em que o conhecimento que eles construíram nas aulas foi usado para transformar as escolas e comunidades. Eles foram registrados no Manual do Currículo Global – formando cidadãos planetários em escolas brasileiras, CECIP, 2012, www.cecip.org.br/site/manual-do-curriculo-global/
O Colégio Bandeirantes, cuja equipe aparece na imagem acima, (http://colband.net.br/), uma das seis escolas brasileiras que participaram do Projeto, já enfocava a formação de cidadãos globais antes do projeto e reforçou a dimensão global do seu currículo depois.
Elos foram criados não só entre os educadores brasileiros, mas também entre estes e os seus pares estrangeiros. Para muitos professores brasileiros, participar do projeto representou a oportunidade única de serem apresentados ao Benin, país de onde a maioria dos nossos antepassados africanos e dimensões significativas de nossa cultura vieram . Este vídeo feito pelo educadora brasileira Débora Maria Macedo (https://www.youtube.com/watch?v=tcbGEgXSopk) resultou da visita ao Benin e mostra alunos deste país e estudantes brasileiros cantando canções que foram enviadas para os seus colegas do Benin e dos demais países envolvidos no projeto .
Hoje em dia CECIP-Brasil e Nego Com de Benin, com o apoio do Centro de Educação para o Desenvolvimento de Leeds da Inglaterra, estão à procura de recursos para financiar um projeto conjunto de Educação para a Cidadania Global .
4- Oportunidades e desafios para divulgar a Educação para a Cidadania Global no Brasil depois de Incheon / 2015
Em maio de 2015, os chefes de Estado e Ministros da Educação dos países da ONU, bem como representantes da sociedade civil global , organizações, universidades, empresários e mídia vão se reunir na cidade de Incheon, Coreia do Sul, para discutir e firmar um compromisso com a realização do quarto Objetivo de Desenvolvimento Sustentável da Agenda pós-2015 : “Assegurar uma educação inclusiva , justa e de qualidade e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”.
A 7ª meta deste objetivo é: “Até 2030 garantir a todos os alunos a aquisição de conhecimentos e habilidades necessárias para promover o desenvolvimento sustentável, através , dentre outros meios , da educação para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida sustentáveis, direitos humanos, igualdade de gênero, promoção de uma cultura de paz e não- violência, cidadania global, (o sublinhado é meu) , valorização da diversidade cultural e da contribuição da cultura para o desenvolvimento sustentável”.
Após a Conferência, será responsabilidade do governo e da sociedade civil tornar o Objetivo número 4 (e todas as suas metas, incluindo o alvo 7), significativos e atraentes para os sistemas de educação formal do país e as entidades responsáveis pelas iniciativas de educação não formal .
No Brasil, questões vão surgir, como: O que é cidadania global e desenvolvimento sustentável? Por que a educação brasileira deveria promover a cidadania global? Não é absurdo falar de cidadania global em contextos onde as pessoas não percebem a si mesmas como pertencentes a grupos como a escola e a comunidade, não conseguem localizar suas comunidades na cidade e não estão conscientes de que têm direitos e deveres como cidadãos nacionais? Que tipo de professores e recursos as escolas precisam para serem capazes de garantir que todos os alunos possam construir conhecimentos e competências associados à cidadania global?
Estas questões devem ser respondidas de forma coletiva por diferentes segmentos. Será um desafio e ao mesmo tempo uma grande oportunidade para renovar e reforçar os compromissos da Campanha Educação para Todos , lançada em Jomtien, na Tailândia, em 1990, com uma concepção ampliada de educação que vai além de escolas para incluir os processos de educação não formal ( 4)
Da longa lista de tarefas que pode estar à frente, vamos examinar três:
- Criar um entendimento comum em torno de palavras como “global”, “desenvolvimento” e “sustentabilidade “
Provavelmente a palavra “global” irá gerar polêmicas acirradas, já que no Brasil está associada com a globalização predatória em que está inscrita a colonização imposta pelos europeus sobre outros povos do planeta, iniciada no século 15 e 16 só concluída no século 20, quando as últimas colônias africanas conquistaram sua independência. Além disso, “Global” e “Globalização” trazem à mente a asfixia de culturas locais por uma cultura dominante, com a imposição sutil de uma única maneira de pensar e de ver o mundo. Até recentemente, a expressão cidadão global ou cidadão do mundo iria provocar apenas esta imagem no Brasil: uma pessoa, geralmente da elite branca, que viaja muito, conhece muitas línguas e pode citar autores de diferentes épocas e países … Será necessário explorar os novos significados dessas palavras antigas, ou, como diz o poeta Caetano Veloso, encontrar Outras Palavras . O Instituto Paulo Freire, por exemplo, vem trabalhando com os conceitos de Educação Planetária, Eco Pedagogia e cidadania planetária, em vez de Educação Global e Cidadania Global. O CECIP, quando coordenou no Brasil o Projeto Currículo Global , acrescentou as palavras “para a sustentabilidade” a “Currículo Global”. Mesmo assim, a palavra “Global” gerou ruídos na comunicação com os professores e criou, de inicio, bloqueios mentais . O conceito de desenvolvimento sustentável vem sendo criticado, no Brasil e em outros países latino-americanos, uma vez que a palavra desenvolvimento é impregnada pela ideia da dicotomia entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, que ignora a existência de ilhas de pobreza nas nações ricas e ilhas de riqueza nos países pobres, e também implica a ideia de que os chamados países desenvolvidos, com seus padrões insustentáveis de consumo, são modelo a serem seguidos.
• Mapear iniciativas já existentes em que a dimensão global está presente
Indo além de disputas semânticas importantes (a língua cria a realidade, dizem os linguistas), divulgar a abordagem da Educação para a Cidadania Global no Brasil vai exigir mapear as iniciativas já existentes na educação formal e não formal em que a dimensão global está presente. Elas são muitas : podem chamar-se Educação para a Paz, Valores, Sustentabilidade, Democracia, Diversidade, Cidadania, Direitos Humanos etc (5) , e estão espalhadas por todo o país, no sistema educativo formal e fora dele. Um quadro de referência comum a todas estas iniciativas pode ser encontrado. Analisando algumas dessas “tendências da educação com propósito específico acoplado “, Harm -Jan Fricke e seus colegas identificaram quatro pontos em comum: uma orientação global; a busca da transformação pessoal e social; uma metodologia de transformação e conteúdos que se reforçam mutuamente . Será interessante investigar em que medida , no Brasil, a orientação global é uma característica proeminente da Educação para a Paz, da Educação para a Sustentabilidade, da Educação para a Não Discriminação e assim por diante. Esta orientação global implica a disposição de estudar semelhanças e diferenças entre pessoas, sociedades e economias em diferentes partes do mundo. Implica, também, lidar com questões que afetam todas as sociedades, tais como a violência, a pobreza ou a mudança ambiental. Significa, além disso, investigar a dimensão global dos fenômenos locais, promovendo uma perspectiva e uma disposição que leva em conta as potenciais consequências globais de ações individuais ou locais. Finalmente, isso significa adotar uma abordagem sistêmica para explorar questões como o comércio, ecologia, relações de poder e legislação . (Fricke, Gathercole ,Skinner- Monitoring Education for Global Citizenship- a contribution to the debate, DEEEP – Concord, 2015)
- Pensar “transformação” de maneira sistêmica
Redes de instituições e indivíduos poderiam ser criadas, enfocando a natureza transformadora da Educação para a Cidadania Global, conforme definida pela DEEEP: ” A Educação para a Cidadania Global baseia-se na compreensão de que a finalidade da educação vai além da aquisição de conhecimentos e habilidades cognitivas; ela transforma o modo como as pessoas pensam e agem individual e coletivamente “
http://deeep.org/wp-content/uploads/2014/07/The_Brussels_Proposal.pdf
Quando converso com os colegas que trabalham em escolas e / ou universidades, muitos deles demonstram ceticismo em relação à importância da Educação para a Cidadania Global no Brasil, quando o esforço de educar todos os brasileiros para atuarem como cidadãos em suas escolas, comunidades, cidades , não está concluído. Muitos argumentam que primeiro você se torna um cidadão local, e só então poderá ser educado para ser um cidadão planetário global. No entanto, a transformação nem sempre ocorre de forma lógica, linear : “Transforme-se; em seguida, transforme a escola, a comunidade- e só então você será capaz de contribuir para a transformação da cidade,do país, e por último, do mundo”. Todos estes sistemas estão conectados e influenciam-se mutuamente. O indivíduo não é uma ilha, mas um ser de relações. Portanto, você se transforma ao alterar suas interações com outros indivíduos e sistemas. Inserir a dimensão global na Educação para a Cidadania (ou para a Paz, Sustentabilidade, Diversidade e assim por diante) pode realmente reforçar o processo de aprendizagem e mudança . Isto foi experimentado pelos professores e estudantes brasileiros que participaram do Projeto Currículo Global para a Sustentabilidade. Por exemplo, um grupo de estudantes começou por averiguar o problema da violência e do preconceito em sua escola. Envolveram-se em auto reflexão, fizeram entrevistas com vários membros da comunidade escolar, e também compararam o ambiente de sua escola com a atmosfera de diferentes escolas, no Brasil e em outros países. Eles descobriram semelhanças e diferenças entre comportamentos dos jovens em diferentes culturas – regionais e internacionais , e tornaram-se cientes de que a violência / preconceito na escola reproduz a violência / preconceito na cidade e no mundo – e os reforçam . Eles descobriram que os líderes no Brasil e no mundo lutaram contra a discriminação e tentaram enfrentar a violência em meios não violentos. Enquanto estavam aprendendo isso, eles também dominavam conteúdos curriculares de Língua Portuguesa, História e Geografia. No final, os alunos fizeram murais e intervenções artísticas que foram apresentados a toda a comunidade.
Para concluir …
Na perspectiva do CECIP, o Brasil precisa promover Educação para a Cidadania Global – qualquer que seja a sua denominação -, uma vez que as metodologias e estratégias para a aprendizagem ativa desta abordagem contribuem para a desconstrução do racismo / sexismo, o reforço da democracia e a formação de cidadãos glocais , tornando -nos mais e mais capazes de valorizar e usar nossos grandes ativos da alegria, arte, movimento, valores, atitudes e habilidades ancestrais sustentáveis. Isto aumentará a nossa capacidade de desenvolver alternativas criativas a políticas públicas insustentáveis.
Quanto mais o Brasil se envolver em processos de Educação para a Cidadania Global , mais seremos capazes de contribuir para transformações locais e globais, devido ao talento se nosso povo para encontrar soluções criativas e pensar fora da caixa. Assim, poderemos enriquecer cada vez mais as metodologias e a diversidade de abordagens da Educação para a Cidadania Global .
No ano em que a Unesco celebra o seu 70º aniversário, é importante usar o princípio de recursividade organizacional, de Edgar Morin (“Cada produto / causa, produz ou causa o seu produtor / causa”), para criar um círculo virtuoso em oposição ao círculo vicioso da violência que hoje experimentamos . Neste círculo vicioso, políticas discriminatórias e opressivas produzem violência, o que justifica a criação de políticas ainda mais opressivas . Um círculo virtuoso poderia ser: a abordagem da Educação para a Cidadania Global reforça, em todo o mundo, práticas que aumentam a justiça, a sustentabilidade e a paz. Essas práticas ajudam a Educação para a Cidadania a evoluir e a se diversificar, produzindo práticas e políticas públicas mais sustentáveis e justas.
Notas
1- DEEEP- Citizens Empowerment for Global Justice, é um projeto do Fórum DARE da CONCORD, a Confederação Europeia de ONG Develometnt.
2- 10 % dos brasileiros mais ricos , detém 49,8% da renda nacional.Os 10% mais pobres vivem com apenas 0,7% da renda nacional.(PNAD IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2013)).O Brasil tem cerca de 5millhões de km² de vegetação nativa e perde milhares de quilômetros de vegetação por ano por causa do corte de árvores e incêndios. Somente na Amazônia de 18% da floresta original foi destruída. (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, 2014).
3- Um indicador disso: pesquisa do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas em Educação (INEP 2006) revelou que 1,5 milhões de crianças (15-17 anos) não haviam frequentado a escola no ano anterior. E o principal motivo foi “falta de vontade de estudar” (40,4%). Mais de 60% dos jovens entrevistados na pesquisa Perfil da Juventude Brasileira considerou que a escola não tem conhecimento das questões atuais ; 72% consideram que a escola não está interessada nos problemas dos alunos. 76% acham que a escola não entende os alunos (Abramo e Branco, 2005).
4- No artigo “Ciudad Educadora, una manera de vivir juntos”, Alizia Cabezudo desenvolve esta questão. http://www.hegoa.ehu.es/congreso/gasteiz/doku/Ciueduc.pdf
5- Em “Monitoring Education for Global Citizenship “, op cit, Harm -Jan Fricke e colegas chamam estas diferentes correntes de ” educações adjetivadas “
This article was published on 22nd March 2015, for the World Water Day, in Global Education Magazine.