Educar para a #cidadaniaglobal, a partir do espaço local: Provocando transformações individuais, comunitárias e globais

Madza Ednir, CECIP, global education magazineMadza Ednir

CECIP- Centro de Criação de Imagem Popular.

madza.ednir@terra.com.br / http://www.cecip.org.br / @Madzed

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Resumo: A partir de suas aprendizagens como participante do II Fórum sobre Educação para a Cidadania Global, realizado pela Unesco em Paris , logo após os atentados de janeiro de 2015, a autora mostra que melhor antídoto à violência e ao medo- que paralisa e gera ainda mais violência- é educar as pessoas para que se percebam como parte de uma única humanidade. O texto convida a construir uma educação de qualidade, integral, dialógica, democrática, ao longo de toda a vida, capaz de promover sinergias entre espaços educativos formais e não formais. Uma educação com o poder de transformar crianças , jovens e adultos que, por sua vez transformam os territórios em que atuam, rumo à sustentabilidade econômica, social e ambiental local e global.

Palavras chave: educação para a cidadania mundial, cidadania global, educação, Brasil, meio ambiente, natureza, sustentabilidade, não violência.

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Global Citizenship Education, From Local to Global Space: Promoting Individual, Community and Global Changes

Abstract: Having as departure point her learning as a participant of the Second Forum on Education for Global Citizenship , held by UNESCO in Paris, shortly after the January 2015 attacks , the author shows that the best antidote to violence and fear- that paralyzes and generates more violence – is to educate people to see themselves as part of a single humanity. The text invites to build a quality education – integral, dialogic , democratic , throughout life- which is capable of promoting synergies between formal and non-formal educational spaces . An education with the power to transform children, youth and adults. They will transform the territories in which they operate, toward economic, social, environmental local and global changes.

Keywords: global citizenship education, global citizenship, education, Brazil, environment, nature, sustainability, non-violence.

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Como você se tornou um cidadão ou uma cidadã global? A pergunta foi lançada por um dos conferencistas , à plenária do Segundo Fórum da Unesco sobre Educação para a Cidadania Global- construindo sociedades pacíficas e sustentáveis (1). Era 28 de janeiro de 2015 e participantes do mundo inteiro estavam reunidos em Paris, uma cidade traumatizada pela violência que, há menos de um mês atrás, vitimara , entre outras pessoas , a equipe do jornal satírico Charlie Hebdo. Os três dias do encontro haviam se revestido de forte simbolismo . Acima das ondas do medo e da intolerância, erguiam-se os valores que motivaram a criação da Unesco, em 1945 , e continuam a inspirar redes, parcerias e práticas transformadoras , em todas as partes do planeta .

Enquanto tentava responder, mentalmente, à provocação do conferencista, lembrei-me das palavras de Soo-hyang Choi, Diretora da Divisão de Ensino, Aprendizagem e Conteúdo da Unesco : “cidadão global é o que sente pertencer a uma humanidade comum e compreende que precisa cuidar do outro- tanto do conhecido, quanto do desconhecido”. É possível ensinar as virtudes de um cidadão global? Como se aprende a sentir que, além de pertencer ao território da sua comunidade , da sua cidade e do seu país, você é, também, cidadão de uma Fátria planetária (2) ? O que nos torna capazes de nos indignar , nos mobilizar e agir, não só quando  direitos são violados aqui no Brasil , mas também quando isto ocorre em outros países?

No meu caso, a aprendizagem da cidadania local e global foi indissociável de experiências da infância e adolescência, vividas como filha de médico e educadora , em meados do século passado , na cidade de Paulicéia, interior do Estado de São Paulo e que incluíram conviver com crianças que trabalhavam na roça ; ser catequista , ajudando missionários canadenses ; ouvir contos de fadas de todos os países do mundo, lidos por minha mãe; estudar em uma escola pública onde fazíamos teatro e as professoras nos ensinavam músicas inspiradas na Pastoral de Beethoven e no canto do uirapuru; brincar de roda na praça; acompanhar enterros dos “anjinhos” vítimas do temido “mal dos sete dias”, o tétano ; aprender dança japonesa com um idoso imigrante , que mantinha viva a cultura de sua terra . Fui pouco a pouco me tornando o que sou, por meio de uma educação de qualidade , que aconteceu não apenas na escola, mas na família e na comunidade- no território de uma cidadezinha de ruas de terra e algumas centenas de pessoas interagindo, transformando-se e transformando. Um território que, bem antes da televisão e da Internet, já estava conectado ao resto do Brasil e ao mundo, por meio das notícias que chegavam pelo rádio, dos livros da biblioteca da escola, das festas dos colonos italianos e japoneses .

  • A educação que transforma pessoas que transformam territórios  

O território que habitamos é o ”produto das redes e interações sociais , políticas e econômicas das pessoas que o constituem” ( 3) . Por meio destas redes nos educamos e nos transformamos , mudando as interações e os ambientes que nos formam.    A escola   é parte integrante da cidade, ‘espaço de convivência intercultural, intergeracional e de construção de múltiplos saberes” ( 4) , indissociável do território do país, que por sua vez, só pode ser compreendido em um contexto planetário .

Para o  filósofo francês Edgar Morin (5) , o planeta já se constituiu enquanto território : há um sistema de comunicação conectando os seus mais distantes recantos e uma cultura em que arte, música, literatura , pensamento nacionais se encontram, se fundem e se enriquecem mutuamente . Segundo ele, desde  Seattle ( 1999),quando representantes de diferentes países manifestaram-se contra a globalização capitalista usando como palavras de ordem “o mundo não é uma mercadoria”,  estamos assistindo à emergência caótica e tumultuada do embrião de uma sociedade civil planetária, que  começa a dar respostas globais a problemas globais .

Há indícios de que este embrião de   cidadania planetária  possa vingar . Em setembro próximo, por exemplo, a Assembleia da ONU lançará em Nova York a Agenda de Desenvolvimento Pós 2015 : um conjunto de programas, ações e diretrizes que vem sendo discutidas pelos países membros desde a Conferencia Rio+20 (2012) e que estão sintetizados em 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS. Os ODS pretendem orientar iniciativas globais buscando construir sustentabilidade econômica, social e ambiental no planeta, até 2030. (6).Dentre eles, o considerado mais importante é o número 4 , por apoiar a implementação de todos os demais .

Reafirmado na Conferência Educação para Todos de Incheon, Coréia do Sul (Maio 2015) o ODS 4  propõe “assegurar uma educação inclusiva , justa e de qualidade e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”. E o que seria esta educação de qualidade ? De acordo com a 7ª meta do objetivo 4 , seria aquela que garante a todos os aprendizes , durante toda a vida ( portanto, no sistema formal de ensino e fora dele) , a aquisição de conhecimentos e habilidades necessárias para promover a sustentabilidade (grifo meu).  

Ou seja, considera-se que a educação de qualidade implica , antes de mais nada, uma pedagogia transformadora- como a sonhada por Paulo Freire – e seu foco está na construção de competências , habilidades, valores e atitudes que possibilitem traduzir conhecimentos em ações de mudança individual e social . Não se trata apenas de ampliar e aprofundar a compreensão da realidade , mas de promover a aprendizagem de pensamento crítico ,  criatividade,  colaboração , empatia, solidariedade e pro atividade, o que possibilita muda-la . Como fazer isto ? Ainda de acordo com a meta 7, por meio de abordagens como educação para a sustentabilidade , direitos humanos, igualdade de gênero, promoção de uma cultura de paz e… cidadania global.

Para a organização europeia DEEEP – Developing Europenas Engagement for the Erradication of Global Poverty – , a Educação para a Cidadania Global “baseia-se na compreensão de que a finalidade da educação vai além da aquisição de conhecimentos e habilidades cognitivas, para transformar o modo como as pessoas pensam e agem individual e coletivamente”. (7) Ela promove um “olhar planetário”, que une o local ao global e estimula uma forma cidadã de compreender, agir e se relacionar com os outros e com o ambiente , no espaço e no tempo, baseada em valores universais, por meio do respeito à diversidade e ao pluralismo. (8)

  • Algumas características de uma educação de qualidade , visando a cidadania global (9)

 

– Integral, holística . A Educação para a Cidadania Global (ECG) dirige-se ao aprendiz como um todo, promovendo o desenvolvimento integral e integrado dos domínios cognitivo, sócio emocional e comportamental:  mente, coração , espírito, corpo   são igualmente mobilizados . Engaja pessoas de todas as idades , em todos os níveis do sistema formal do ensino e também em processos educativos não formais e informais, pressupondo articulação e parceria entre os mais diferentes espaços educativos do território. Cruza fronteiras disciplinares e nacionais, conectando local e global.  

– Fundamentada em valores, visionária , desafia o status quo .  A ECG é orientada por valores universais, como os expressos na Declaração dos Direitos Humanos ( 1948), que contrariam o modelo sócio econômico   dominante ; convoca todos a serem parceiros/líderes na construção de um mundo melhor para humanidade, de inclusão e diversidade, interdependência, democracia, respeito às diferenças e colaboração pelo bem comum.

-Dialógica . O coração da ECG é o diálogo- aprender os princípios do diálogo e coloca-los em prática . Para a Unesco, “ ‘Dialogo ’ é uma forma específica de interação humana, que, quando adequadamente facilitada /orientada, ajuda as pessoas a discutirem , de forma aberta, mutuamente respeitosa e potencialmente transformadora , perspectivas individuais ou coletivas a respeito de qualquer tópico, em especial quando estão em pauta temas difíceis, controversos. O diálogo inclusivo, em ambiente seguro, amplia a compreensão do problema ou desafio , alimenta confiança e solidariedade , abrindo caminho para a visualização de potenciais soluções criativas.

– Democrática, com protagonismo do jovem e da criança . A ECG possibilita que crianças, adolescentes, jovens tenham suas vozes ouvidas e atuem como agentes de mudança. Eles são considerados os grandes impulsionadores da ECG.

Dentre as condições para que uma educação de qualidade com as características acima , que estimule a cidadania local e global, possa se generalizar , os participantes do Forum da Unesco indicam a necessidade de mudança nas políticas educacionais, tornando os educadores e os estudantes cada vez mais protagonistas do planejamento, monitoramento e avaliação das mesmas, mobilizando apoiadores na sociedade civil, inclusive os meios de comunicação , incrementando o trabalho em rede, possibilitando a convergência de processos educativos formais e não formais.

Utopia ? Lembre-se que eram considerados loucos os abolicionistas do século XVIII , as feministas do século XIX, os anti segregacionistas americanos da década de 1950. Tapetes mágicos já foram lendas , antes de se transformarem em aviões. Tudo começa com um sonho. O sonho de uma educação de qualidade para todos e de uma humanidade reconciliada consigo mesma vem sendo sonhado há muito tempo. Em todos os continentes já se construíram ferramentas para torna-lo realidade. Vamos usá-las.

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(*) Madza Ednir , Pedagoga, do CECIP, Centro de Criação de Imagem Popular, coordenador no Brasil do Projeto Currículo Global para a Sustentabilidade (2010-2012), convidado pela Unesco a participar do II Fórum sobre Educação para a Cidadania Global (26-28/01/2015) www.cecip.org.br .

Artigo publicado na Revista Pátio n. 75, Agosto-Outubro/2015

Leia também:

EDNIR , M. Educação para a Cidadania Global, uma visão brasileira. Global Education Magazine, 22/05/2015 http://www.globaleducationmagazine.com/educacao-para-cidadania-global-uma-visao-brasileira/

EDNIR, M., org.   Manual do Currículo Global- Formando cidadãos planetários em escolas brasileiras . CECIP, 2013

GAUTHIER , A. Le co- leadership évolutionnaire- pour une société co- cráatrice en émergence . HD Précoursions , 2013 . http://coreleadership.com

SINGER, H,, org. Territórios educativos- Experiências em Diálogo com o Bairro Escola – C.E.Aprendiz/Moderna, 2015

TORRES,R.M. Educação para Todos, a tarefa por fazer, Artmed, 2001

Notas

1-    Veja o Relatório Final da Unesco em –http://www.unesco.org/new/fileadmin/MULTIMEDIA/HQ/ED/pdf/FinalReport-GCED_21April.pdf

2      – Caetano Veloso.: “Eu não tenho pátria, eu tenho mátria e quero fátria”, em Língua, 1993

3      Silva, F. e Labroa, S.- Avaliação do Programa Cultura Viva. IPEA, 2014

4      Gadotti, M e col, org. Cidade Educadora, princípios e experiências ,. Cortez. IPF, Cidades Ed. A.L, 2004

5      Morin, E. Por uma globalização plural. Folha de São Paulo, Mundo. A.17 31/03/2002,

6      Dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável . Brasil, Itamaraty, 2014 . http://www.itamaraty.gov.br/

7      DEEEP- The Brussels proposal- http://deeep.org/wp-content/uploads/2014/07/The_Brussels_Proposal.pdf

8      UNESCO. Global Citizenship Education . Preparing learners for the challenges of tthe21 th century. 2014. http:/unesco.org/new/en/global-citizenship-education

9      Texto baseado nas recomendações do Relatório Final da Unesco sobre o Segundo Fórum ECG- Ver Nota 1

This article was published on 5th December 2015, for the International VolunteerDay at Global Education Magazine.

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