Educação para o consumo na busca pela sustentabilidade
Helio Mattar Diretor-Presidente do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente e-mail: heliomat@heliomattar.com.br web: www.akatumirim.org.br
Resumo: Ao assumir como missão a mobilização de pessoas para o uso do poder transformador de seus atos de consumo consciente como instrumento de construção da sustentabilidade da vida no planeta, o Instituto Akatu pelo Consumo Consciente elegeu a criança e o adolescente como dois de seus públicos prioritários. Desde que se consolidou como uma ONG brasileira que trabalha pela sensibilização, conscientização e mobilização das pessoas pelo consumo consciente, o Akatu tem investido em programas de educação em escolas, em empresas e em comunidades. O programa de educação para o consumo consciente é transversal à vida e aos conhecimentos dos jovens e crianças, incluindo-se em todas e quaisquer disciplinas do currículo. É importante que se relacione com o consumo do dia a dia, levando para dentro das escolas elementos da vida cotidiana, de fácil apreensão pelos alunos, com notícias e conteúdos surpreendentes, de forma a motivá-los para o tema e para a prática do consumo consciente. Assim, não é algo abstrato, mas algo que diz respeito aos aspectos concretos da vida. Além disso, o programa de educação do Akatu valoriza o professor como um destacado agente de transformação da sociedade por meio da formação de crianças e adolescentes por meio da transmissão de novos valores, novos conceitos e novas práticas, onde o ambiente escolar atua como um espaço de acolhimento desse processo.
Palavras-chave: Educação, Consumo Consciente, Sustentabilidade, Akatu, Transformação, Jovens, Brasil.
Consumer Education in the Search for Sustainability
Abstract: By assuming the mission of mobilizing people to use the transformative power of their acts of conscious consumption as a means of building the sustainability of life on the planet, the Institute Akatu for Conscious Consumption elected children and adolescents as two of its public priority. Since established itself as a Brazilian NGO that works for sensitization, awareness and mobilizing people through conscious consumption, Akatu has invested in education programs in schools, businesses and communities. The education program for conscious consumption is transverse to life and knowledge of young people and children, including on any and all subjects in the curriculum. It is important that relates to the daily consumption, leading into the schools elements of everyday life, easy to grasp for students, with surprising news and content, in order to motivate them for the theme and for the practice of conscious consumption. So it is not something abstract, but something that relates to specific aspects of life. Moreover, the Akatu´s education program values the teacher as a leading agent of social transformation through education of children and adolescents through the transmission of new values, new concepts and new practices where the school environment acts as a space host of this process.
Key Words: Education, Conscious Consumption, Sustainability, Akatu, Transformation, Youth, Brazil.
Contexto de Insustentabilidade
Aproximadamente 70% da população mundial consome só o mínimo necessário para a vida, enquanto que apenas 16% da humanidade consomem 78% do total do consumo no planeta(I).
Além dessa concentração injusta, que em si já aponta para uma grave questão de insustentabilidade social, a humanidade já está consumindo 50% mais recursos do que a Terra consegue regenerar (II), o que significa que o planeta não é capaz de purificar o ar, de produzir água potável, de recuperar áreas agricultáveis e de absorver os diversos tipos de resíduo gerado no consumo.
Tratam-se, portanto, de ameaças atuais para a humanidade e não de riscos futuros, tanto do ponto de vista social como ambiental, uma situação extremamente vulnerável para toda humanidade.
A questão social precisa ser urgentemente revertida se buscamos um mundo que viva em paz e harmonia, e não um mundo com enormes diferenças de perspectiva material e espiritual a tal ponto de colocar uma grande parte da humanidade em uma situação de insegurança cotidiana, muitas vezes colocando as pessoas na beira de não ter nada a perder. E isso acontece em várias regiões e países, como vemos diariamente nos meios de comunicação, onde a abundância de recursos para alguns se contrapõe de modo doloroso à escassez de recursos mínimos para a vida da grande maioria.
Além disso, os dados acima mostram que o atual modelo de produção e consumo é completamente inadequado para a construção de um mundo social e ambientalmente sustentável. Isso é especialmente verdadeiro se considerarmos que o modelo de consumo dos países desenvolvidos vem inspirando o restante do mundo e induzindo as populações a viver na chamada “sociedade de consumo”, em que a estrutura o sistema econômico se baseia na fragilidade do consumo excessivo e do endividamento insuperável, levando a um consumo muito maior do que as pessoas realmente precisam para seu bem estar material e psicológico.
Se esse padrão de consumo excessivo da maioria das nações desenvolvidas for adotado pelo resto da população mundial, serão necessários quatro a cinco planetas Terra para suprir os recursos naturais que atendam a essa voracidade de consumo.
Nesse contexto, seria de extremo otimismo esperar que a solução para essa extraordinária concentração de consumo e para esse enorme desperdício de recursos naturais seja o produto das decisões e das ações de um único agente social, sejam organizações multilaterais, governos nacionais, corporações ou sociedade civil. Até porque os interesses econômicos presentes na sociedade contemporânea atual se baseiam precisamente na permanência do modelo insustentável atual. Dada a enorme pressão de alguns desses poderosos interesses, nenhum ator isoladamente conseguiria operar mudanças na velocidade e escala necessárias para se alcançar a sustentabilidade e, desta forma, evitar uma catástrofe ambiental irreversível e uma violenta convulsão social, que poderão romper seriamente a já desequilibrada e vulnerável relação entre regiões e países do globo.
Muitos acreditam que se poderia induzir e implementar as mudanças necessárias por meio de políticas governamentais que coloquem incentivos e desincentivos que conformem um modelo de produção e consumo gradualmente mais sustentável. No entanto, as alterações nas políticas governamentais tendem a ser lentas demais face às dificuldades encontradas na negociação frente aos interesses de curto prazo das poderosas forças econômicas na sociedade, ainda que conformem um mundo insustentáveis.
Mudanças no modelo de produção por meio de um extraordinário esforço no desenvolvimento de novas tecnologias que não só não ameacem o meio ambiente, mas protejam, ainda estariam longe de trazer o gigantesco ganho de produtividade necessário para produzir com os recursos naturais de um único planeta os produtos e serviços que demandariam quatro a cinco Terras em termos de recursos naturais. Mantida a pegada ecológica do atual modelo de produção e de consumo da humanidade, seria necessário reduzir 4 a 5 vezes o uso de recursos naturais por unidade de produto ou serviços produzida em relação ao que é usado nos dias de hoje. Certamente, o tempo necessário para que tal mudança tecnológica atingisse tal ganho de produtividade colocaria em seríssimo risco social e ambiental o mundo como o conhecemos hoje.
O que fazer então? É preciso de um processo global que leve à criação de uma responsabilidade coletiva no sentido de criar as mudanças nos valores e nos modelos que possam gradualmente ganhar escala e velocidade nas sociedades e países. Tão hercúleo quanto inovador, esse desafio requer um diálogo multistakeholder, isto é, que envolva os diferentes atores sociais necessários a construção de um entendimento amplo de um novo contrato social, no qual se busque compatibilizar a produção e o consumo como a necessidade de justiça social e sustentabilidade ambiental. Dada a interdependência entre os impactos sociais e ambientais das ações de produção e consumo, sem um acordo entre os diversos atores sociais quanto a um novo modelo para tais ações, não será possível criar para a vida no planeta, e muito especialmente a vida humana, um futuro sustentável.
Desta forma, soluções que pareciam totalmente inviáveis, frente à luta cega e surda de poder entre atores sociais, podem se tornar viáveis e se transformar em um conjunto inteligente e negociado de ações voltadas ao bem coletivo no longo prazo e não para a manutenção de privilégios individuais de curto prazo.
Histórico do Akatu
O embrião do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente surgiu no ano 2000, dentro do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, quando os seus dirigentes perceberam que as empresas só aprofundariam suas práticas de Responsabilidade Social Empresarial (RSE) se os consumidores passassem a valorizar essas iniciativas em suas decisões de compra. Caso essa indução não ocorresse com intensidade suficiente, a RSE não realizaria o seu potencial transformador da sociedade.
A descrição a seguir apresenta as fases do trabalho do Akatu para educar o consumidor na direção de um outro comportamento de consumo.
Fase 1: Ingenuidade criativa
Naquela ocasião, as pesquisas elaboradas pelo Ethos mostravam que os consumidores tinham grande interesse em conhecer as práticas de RSE. No entanto, esse interesse não se refletia nas suas decisões de consumo. Aparentemente, esse descompasso era provocado basicamente por dois fatores: o consumidor (a) desconhecia a extensão do conceito de RSE; e (b) não tinha informação suficiente para fazer escolhas conscientes de compra em termos das empresas das quais comprar.
O Akatu acreditou que bastaria esclarecer essas duas questões e o consumidor naturalmente assumiria o seu papel de indutor da RSE. Não foi o que aconteceu. O Akatu saiu a campo para pesquisar e constatou que, para a grande maioria dos consumidores, o termo “consumo consciente” era ligado basicamente aos temas da água, energia e lixo.
Ficou evidente que os consumidores não estabeleciam um vínculo entre os produtos disponíveis para compra e as empresas que os produziam. Assim como ficou claro que o interesse dos cidadãos em conhecer as práticas de RSE se dava por considerarem as empresas suficientemente poderosas para serem potenciais colaboradoras na direção de uma transformação social positiva. Porém, os consumidores não se percebiam como parte importante na indução dos atributos de RSE das empresas.
Ficou claro que o primeiro desafio seria mostrar aos consumidores o seu poder no sentido de mudar a atuação das empresas. Para isso, era preciso “empoderar” os consumidores para que percebessem o quanto os seus atos de consumo poderiam causar uma transformação positiva da sociedade. E, para isso, o Akatu decidiu deixar a questão da RSE para um momento posterior e começar a trabalhar o empoderamento do consumidor exatamente pelos elementos mais valorizados por ele, ou seja, água, energia e lixo.
Assim, em 2002, o Akatu desenvolveu um material, nos temas da água, energia e lixo, que mostrava ao consumidor que, mesmo um grupo pequeno de pessoas, ao longo de um período extenso de tempo, teria um impacto significativo sobre a sociedade e o meio ambiente por meio de seus consumo. Os objetivos centrais eram os de mostar a existência de impactos do consumo e de mobilizar os indivíduos e suas famílias a uma mudança de hábitos que levaria a um impacto no mínimo menos negativo e, se possível, positivo.
Esse impresso continha a semente do que mais tarde viria a se tornar a metodologia pedagógica do Akatu, em que a formatação de conteúdos e de mensagens de forma surpreendente e mobilizadora contribui significativamente para mudar o comportamento de consumo.
Fase 2: Métricas e conteúdos
Ao pensar a mudança de comportamentos de consumo, ficou clara a necessidade de mensurar o grau de consciência no consumo, de modo a poder identificar a real mudança a partir da metodologia usada pelo Akatu. Por outro lado, ao segmentar os consumidores segundo seu grau de consciência no consumo , seria possível conceber iniciativas mais adequadas a cada um dos grupos ao qual se destinavam.
Assim, em 2003, o Akatu desenvolveu o Teste do Consumidor Consciente (TCC), um questionário composto por 13 perguntas, relacionadas a comportamentos de consumo, definidas estatisticamente de modo a permitir segmentar os consumidores segundo o seu grau de consciência ao consumir. Vale dizer que, ao ser desenvolvido, o TCC considerou cerca de 120 comportamentos, com os quais os 13 selecionados tem uma forte correlação, de modo ao teste retratar o quadro mais amplo de comportamentos de uma pessoa no consumo.
A aplicação do TCC mostrou que, além de mensurar o grau de consciência dos consumidores, a ferramenta servia para educar para o consumo consciente, uma vez que as pessoas, ao responder às perguntas, acabavam por identificar formas de atuação que indicavam o caminho da consciência no consumo.
Além disso, o TCC permitiu diferenciar 4 grupos de consumidores – conscientes, engajados, iniciantes e indiferentes – de acordo com o número de comportamentos de compra, uso e descarte de produtos ou serviços declarados como prática cotidiana (respectivamente, 11 a 13, 8 a 10, 4 a 7, and 0 a 3). A diferença fundamental entre os consumidores menos conscientes (indiferentes e iniciantes) e os mais conscientes (conscientes e engajados) é que o primeiro grupo só se interessa por benefícios imediatos e individuais, enquanto que os mais conscientes também consideram os benefícios coletivos e de longo prazo derivados de suas escolhas de consumo.
Por outro lado, a pesquisa que levou à identificação do TCC mostrou que, apesar de algumas variações ligadas a fatores sociais, econômicos e educacionais, o critério segmentante fundamental era o comportamento do consumidor.
A aplicação do TCC em membros de várias comunicadades mostrou que o caráter educativo do teste aliado ao fornecimento de conteúdos gerava uma sensibilização e mobilização das pessoas na direção do consumo consciente.
Fase 3: Envolvimento dos formadores de opinião
Ficou clara a necessidade da elaboração sistemática de uma metodologia para a elaboração e a transmissão dos conteúdos sensibilizadores da mudança de comportamento, não bastando dar “dicas” de consumo consciente.
A necessidade de estruturar os conteúdos de forma organizada, lógica e mobilizadora terminou por provocar o surgimento das pedagogias do Akatu, que estabelecem como as mensagens devem ser formatadas e transmitidas para que o consumidor seja mobilizado na direção de um consumo mais consciente.
Desta forma, o Akatu poderia conhecer o perfil do consumidor por meio da aplicação do TCC, que avaliava o grau de consciência individual dos membros de uma comunidade, e passava a utilizar conteúdos sensibilizadores, impactantes e mobilizadores para aprofundar a sensibilização e mobilização na direção de comportamentos de consumo que reduzissem os impactos negativos e aumentavam os positivos.
Atualmente, as mensagens de sensibilização e mobilização estão estruturadas em seis metodologias pedagógicas que apoiam a organização do trabalho do Akatu e norteiam seus processos de intervenção seja na educação, na produção de conteúdos ou na comunicação.
As metodologias pedagógicas podem ser aplicadas na forma de organizar e transmitir a informação; na maneira de planejar a capacitação; no desenho das ações de multiplicação, na forma de avaliação dos resultados, entre outras possibilidades. As seis metodologias pedagógicasa são as seguintes, descritas para a “primeira pessoa” de um consumidor genérico:
- Relevância: os problemas gerados pelos meus atos de consumo impactam a minha vida, o meio ambiente, a sociedade e a economia.
- Interdependência: os meus atos de consumo impactam a todas as pessoas e esses impactos retornam a mim mesmo.
- Cotidiano: mesmo os meus pequenos atos de consumo, ou de um pequeno grupo de pessoas, repetidos por um longo período de tempo, causam muito impacto.
- Exemplaridade: meu exemplo, por si só, influencia outras pessoas.
- Multiplicação: posso e devo ser um mobilizador de outras pessoas para o consumo consciente, pois, quando adotado por muita gente, resulta em enormes impactos rapidamente
- Pertencimento: eu posso tomar parte em um movimento transformador para um futuro sustentável, que me acolhe e me fortalece para continuar consumindo conscientemente.
Um bom exemplo das mensagens de sensibilização e mobilização relaciona-se com o uso de água: ao fechar a torneira para escovar os dentes, o menor dos atos individuais de consumo, um único indivíduo, ao longo de sua vida (estimada em 72 anos), economizaria o equivalente a três quartos do volume de uma piscina olímpica cheia de água. E, se esse comportamente, for levado a um milhão de pessoas, que o pratiquem durante um mês, a economia seria equivalente ao volume de água que cai pelas cataratas do Iguaçú por 12 minutos. E isso ocorre quando se fala de um único gesto de consumo, o de escovar os dentes! Pode-se então ter uma ideia do impacto quando se analisa todos os usos da água…
O passo seguinte foi levar essas mensagens mobilizadoras aos formadores de opinião, para que houvesse uma disseminação em escala. do conceito e da prática do consumo consciente.
Assim, a partir de 2004, ampliou-se o mosaico de atividades do Akatu, que passou a envolver a comunicação por meio de empresas disseminadoras, da publicidade, e dos meios de comunicação de massa, ao lado da educação para o consumo consciente de voluntários dispostos a se tornarem multiplicadores em comunidades, além de líderes e formadores de opinião. Um outro esforço fundamental foi desenvolvido junto a escolas públicas, onde foram testados e aprimorados métodos para engajar professores e alunos na direção do consumo cosciente por meio de projetos sobre este tema introduzidos, pelos próprios professores, em cada uma das matérias do currículo escolar.
Dessa forma, foram ampliados os eixos de atuação do Akatu, aumentando significativamente o alcance e abrangência da ação para a conscientização em favor do consumo consciente.
Passou-se a disseminar com grande frequência a mensagem do consumo consciente nos meios de comunicação, deste modo amplificando a mensagem do Akatu. Campanhas de publicidade, artigos em jornais de grande circulação, entrevistas para os mais diversos veículos foram incorporados às ações do Akatu. Essas ações contribuíram para a sensibilização para os novos comportamentos de consumo. E as atividades de educação em comunidades, junto a funcionários de empresas, e em escolas, contribuíram para mobilizar ações concretas de consumo consciente.
Fase 4: Busca de instrumentos de grande impacto social
O grande desafio é o de levar a escala e com velocidade esse processo de sensibilização e mobilização voltados a comportamentos mais conscientes de consumo. Novos conteúdos e novos instrumentos, tais como jogos e dinâmicas, têm sido aplicados a diferentes grupos. As experiências com cada público são avaliadas em termos de processo, conteúdo, materiais, estratégias e resultados, sendo esse aprendizado sistematizado para que possa ser feita a multiplicação e replicação das atividades em escala mais ampla.
No entanto, o processo de conscientização e empoderamento do consumidor se dá de forma lenta quando considerado frente à gravidade e urgência do problema de sustentabilidade da vida no planeta. Assim, o Akatu passa a buscar iniciativas de grande impacto social por meio de eventos tais como exposições e articulação e mobilização em redes que consigam atingir um grande número de consumidores de forma rápida e efetiva.
Esse é o atual desafio do Akatu, uma organização em constante transformação em busca de formas para contribuir para a transformação da sociedade.
Fase 5: Akatu 2.0 e o Decálogo da produção responsável e do consumo consciente
Nesta fase, iniciada a partir de 2010 e que continua nos dias atuais, o Akatu passou a investir fortemente em estratégias de internet e redes sociais: reformulou integralmente seu portal, criou o portal infantil Akatu Mirim e ampliou a proposta para educação de crianças e jovens já contida no Akatu Mirim para uma plataforma digital mais ampla de estímulo ao conhecimento, à educação formal e auxílio a professores. A importância do envolvimento mais amplo das redes sociais, presenciais ou virtuais, é a de criar um grupo de referência que possa dar sustentação e manutenção aos novos comportamentos de consumo consciente.
Ficou claro, no entanto, que, para que tais comportamentos sejam de fato praticados, deverão existir mudanças significativas na forma de atendimento do bem estar dos consumidores por meio de produtos e serviços fortemente desmaterializados em relação aos modelos atuais de produção e consumo. Basta pensar que, conforme apontado ao início deste artigo, se não houver uma mudança significativa desses modelos, serão necessários 4 a 5 planetas Terra para atender ao consumo de toda a humanidade. Assim, sem que haja uma forte desmaterialização dos modelos de produção e consumo, os recursos naturais não serão suficientes nem mesmo para atender à demanda atual de produtos e serviços, e muito menos as 3 bilhões de pessoas que estarão entrando na nova classe média nos próximos 20 anos.
Visando dar concretude à natureza das ações necessárias tanto na produção quanto no consumo, o Akatu elaborou o “Decálogo da Produção Responsável e do Consumo Consciente”, que apresenta dez novos caminhos que contribuem para modos de produção e consumo mais sustentáveis. Trata-se de articular e mobilizar novos modelos de produção e consumo que inspirem novas oportunidades de negócios social e ambientalmente mais sustentáveis, e que atenda o bem estar de toda a humanidade com a maior eficiência possível no uso dos recursos naturais, e visando a uma sociedade com maior equidade e justiça. É importante ressaltar, no entanto, que os elementos abaixo descritos são necessários, mas ainda insuficientes para um uso sustentável dos recursos naturais, mas certamente totalmente insuficientes para estabelecer relações sociais mais justas e que possam ser sustentáveis ao longo do tempo. Mas, de qualquer forma, a mudança é de tal ordem que devem ser buscadas todas as possibilidades, e é nesse sentido que caminha a proposta de modelos de produção e consumo que valorizem:
1. Os produtos duráveis mais do que os descartáveis ou os de obsolescência acelerada.
2. A produção e o desenvolvimento local mais do que a produção global.
3. O uso compartilhado de produtos mais do que a sua posse e seu uso individual.
4. A produção e a compra de produtos e serviços social e ambientalmente mais sustentáveis.
5. As opções virtuais mais do que as opções materiais.
6. O não-desperdício dos alimentos e dos produtos, promovendo o seu aproveitamento integral e o prolongamento da sua vida útil.
7. A satisfação pelo uso dos produtos e não pela sua compra em excesso.
8. Os produtos e as escolhas mais saudáveis.
9. As emoções, as ideias e as experiências mais do que os produtos materiais.
10. A cooperação mais do que a competição na busca de inovações em produtos, serviços e negócios mais sustentáveis.
Visando a mobilização de ações concretas em cada um desses princípios de negócio, o Akatu está buscando, neste momento, articular diálogos multi stakeholder envolvendo os diversos atores necessários a implantar soluções em cada uma das linhas acima. A expectativa é que, colocando empresas e suas associações, governos, e organizações da sociedade civil debatendo as possibilidades em cada uma das linhas acima, será possível o desenvolvimento de inovações exemplares do ponto de vista da sustentabilidade e que poderão ser inspiradoras de novos esforços que permitam disseminar os atributos de sustentabilidade nos modelos de produção e consumo.
Consumo Consciente e Educação
Desde que foi criado em 2001, o Akatu investiu na experimentação de diversos modelos e abordagens visando a educação em escolas assim como de professores e alunos interessados em aprofundar seu conhecimento e sua prática de consumo consciente. Estas experiências levaram, em 2012, à criação do Edukatu, uma plataforma voltada à disseminação ampla do consumo consciente em escolas e entre professores e alunos.
Vale destacar que o estímulo e o apoio para a inserção do tema do consumo consciente em sala de aula é uma importante contribuição para a formação e construção de conhecimento e, consumo consciente e sustentabilidade, em uma perspectiva que permita a formação de novos valores em crianças e jovens, que, com isso, irão consolidar uma sociedade do bem estar onde o consumo seja um instrumento para cumprir este objetivo e não um fim em si mesmo.
A perspectiva da introdução do consumo consciente e da sustentabilidade como um elemento transversal às várias matérias do currículo escolar permite que crianças e jovens aprendam sobre o tema dentro dos vários saberes do ensino formal.
Mais que isso, a iniciativa de usar a educação para mobilizar para o consumo consciente de modo transversal às diversas disciplinas contribui também para a busca de um novo paradigma de ensino integrador dos diversos assuntos, contribuindo para que o aprendizado de crianças e jovens para o consumo consciente e a sustentabilidade não seja compartimentalizado em uma disciplina.
O programa de educação do Akatu usa as seguintes estratégias:
- Sensibilização: processo que procura despertar o indivíduo para o poder de transformação dos atos de consumo.
- Capacitação de multiplicadores: processo de formação de pessoas para que estejam preparadas e instrumentadas para a disseminação dos conceitos e práticas do consumo consciente.
- Redes de aprendizagem: estímulo à criação de redes reais e virtuais visando à troca de experiências e ampliação de conhecimento;
- Vivências e práticas: implantação de projetos que possibilitem a apropriação de aprendizados e o estímulo à geração e multiplicação de boas práticas.
Além de vir se mostrando uma estratégia eficaz para a disseminação do consumo consciente para a sustentabilidade por meio da educação, o programa e os projetos do Akatu nessa área estão alinhados com o documento final produzido na
Rio+20 com os quatro pilares da educação definidos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), e com o chamado Processo de Marrakesh, organizado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
Em seu artigo 230, o documento final da Rio+20, “O Futuro que Queremos”, reforça a urgência da educação para a sustentabilidade. O Akatu vem trabalhando com esse olhar direcionado já há alguns anos, acreditando que a transformação social só ocorrerá, de um lado, com o envolvimento de todos os setores da sociedade em torno do tema e, de outro, por meio da educação.
Artigo 230:
Reconhecemos que as gerações mais jovens são as guardiãs do futuro, bem como a necessidade de uma melhor qualidade da educação além do nível fundamental e o acesso a ela. Portanto, resolvemos melhorar a capacidade de nossos sistemas educativos a fim de preparar as pessoas para que alcancem o desenvolvimento sustentável, em particular mediante uma maior capacitação dos professores, a criação de planos de estudos relativos a sustentabilidade, a elaboração de programas de capacitação que preparem os estudantes para empreender carreiras relacionadas à sustentabilidade e com uso mais eficaz de tecnologias de informação e comunicação que contribuam para a melhoria da resultados da aprendizagem. Apelamos a uma maior cooperação entre escolas, comunidades e autoridades em seus esforços para promover o acesso à educação de qualidade em todos os níveis.
Para a UNESCO, a educação ao longo da vida deve se basear em quatro pilares: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser.
Aprender a conhecer: combinando uma cultura geral suficientemente ampla, com a possibilidade de estudar, em profundidade, um número reduzido de assuntos, ou seja, aprender a aprender, para beneficiar-se das oportunidades oferecidas pela educação ao longo da vida.
Aprender a fazer: a fim de adquirir não só uma qualificação profissional, mas, de uma maneira mais abrangente, a competência que torna a pessoa apta a enfrentar numerosas situações e a trabalhar em equipe. Além disso, aprender a fazer no âmbito das diversas experiências sociais ou do trabalho, oferecidas aos jovens e adolescentes, seja espontaneamente graças ao desenvolvimento do ensino alternado com o trabalho.
Aprender a conviver: desenvolvendo a compreensão do outro e a percepção das interdependências – realizando projetos comuns e preparando-se para gerenciar conflitos com respeito pelos valores do pluralismo, da compreensão mútua e da paz.
Aprender a ser: para desenvolver o melhor possível a personalidade e estar em condições de agir com uma capacidade cada vez maior de autonomia, discernimento e responsabilidade pessoal. Com essa finalidade, a educação deve levar em consideração todas as potencialidades de cada indivíduo: memória, raciocínio, sentido estético, capacidade física e aptidão para comunicar-se.
Por fim, o alinhamento com o Processo de Marrakesh, onde vem ocorrendo, em diversos países, uma abordagem multi stakeholder que visa desenvolver um conjunto de programas de produção e consumo sustentáveis para os próximos dez anos.
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) convocou governos nacionais e seus ministérios do meio ambiente para desenvolver diálogos regionais entre instituições de governos, organizações da sociedade e representantes de corporações para chegar a um quadro de programas, a serem implementados ao longo de 10 anos e que vão certamente ajudar a estabelecer uma sociedade mais sustentável.
Embora longe de ser homogêneo quanto ao engajamento dos diversos países no processp, o mesmo resultou, em muitos casos, como é o do Brasil, em um excelente conjunto de ações para a sustentabilidade, que envolvem, por exemplo:
- implementação de programas de educação formal para o consumo sustentável;
- envolvimento de organizações da sociedade civil na apresentação de soluções que possam ser modeladas e ampliadas para uso em políticas públicas voltadas à solução dos problemas ambientais e sociais;
- envolvimento dos meios de comunicação tradicionais na sensibilização de atores sociais para mudar a percepção de que os benefícios de curto prazo para alguns pode levar ao bem-estar coletivo a longo prazo;
- iniciativas governamentais para a introdução de ações de sustentabilidade em suas operações do dia a dia, seja no currículo do ensino formal, em campanhas de conscientização sobre os impactos do modelo atual de produção e consumo, ou em políticas negociadas para que os mercados cumpram sua função de uma maneira melhor, com informações mais completas e com as externalidades sendo gradualmente incorporadas nos preços dos produtos;
- o envolvimento das corporações, que já perceberam que não só a sustentabilidade ambiental e social está em jogo, mas a sustentabilidade de longo prazo de seus próprios negócios, propondo mudanças em produtos e tecnologias de produção, bem como o envolvimento e a educação dos consumidores para a sustentabilidade.
Algumas iniciativas do Akatu na área de educação formal
1. Trilha do consumo consciente nas escolas/consciente coletivo
Em 2008, o Instituto Akatu e a HP® Brasil firmaram parceria inédita para a criação do projeto Educação para o Consumo Consciente e Sustentabilidade Ambiental, cujo objetivo foi a educação de jovens alunos do Ensino Fundamental II, 6ª à 9ª série, da rede estadual de escolas públicas das cinco regiões do país sobre as questões do Consumo Consciente e da Sustentabilidade Ambiental. Em 2009, o projeto foi implantado em três escolas públicas de cada uma das cinco regiões geográficas do Brasil. Os conceitos de consumo consciente e sustentabilidade foram trabalhados por meio da aplicação das metodologias pedagócias do Akatu na formação de professores, com a valorização de seu papel em sala de aula, e visando a utilização de seu poder de disseminação dos conceitos para um grande número de alunos.
Os principais materiais de apoio foram um material impresso contendo conteúdos e sugestões de temas para aulas dos professores; o livro Trilha do Consumo Consciente, distribuído aos alunos e que tratava os temas de forma transdisciplinar; e, numa fase posterior, dez pequenos vídeos de dois minutos, feitos em parceria com a TV Futura, que compuseram a série Consciente Coletivo, acompanhado de um guia a ser usado pelos multiplicadores, aí incluídos também os professores.
2. Portal Akatu Mirim
Em 2011, o Akatu lançou o Akatu Mirim, um portal inédito sobre consumo consciente voltado para crianças. O lançamento do Akatu Mirim fez parte das comemorações do aniversário de 10 anos do instituto. Além das páginas dedicadas aos estudantes, o Akatu Mirim apresenta também conteúdos para pais e educadores, como dicas mobilizadoras e planos de aula.
Com o novo portal, o Instituto ampliou o acesso aos conteúdos de consumo consciente a crianças de todo o Brasil e já acumula, até agosto de 2012, 420 mil páginas visitadas.
Entre os temas abordados, estão as cadeias produtivas de petróleo, sacola plástica, garrafa d’água, celular e bala.
3. Novo Olhar sobre o Plástico
Em 2001, foi criado o projeto de incentivo ao consumo consciente do plástico e aumento de repertório sobre sua cadeia produtiva. A inciativa produziu e distribuiu materiais pedagógicos sobre consumo consciente e o ciclo de vida do plástico para 1.577 escolas públicas e privadas em 23 dos 27 Estados brasileiros. O “Novo Olhar sobre o Plástico” estimulou a geração de 115 projetos locais nas escolas e comunidades do entorno.
4. Edukatu
Conforme descrito acima, unindo o aprendizado dos projetos anteriores, ampliando a oferta de conteúdos e material de apoio, diversificando os meios de interação e absorvendo o Akatu Mirim, o Instituto trabalhou no planejamento do Edukatu durante o ano de 2012, uma plataforma a ser lançada até dezembro o Edukatu.
Mais que um portal de educação, o Edukatu será um sistema de promoção e estímulo ao professor e aos alunos por meio de uma ampla base digital interativa de aprendizagem para o consumo consciente.
Aprendizados e Conclusões
O investimento em educação – formal e não formal – tem-se mostrado um poderoso instrumento de ampliação de consciência e mobilização sobre os impactos do consumo na sustentabilidade da vida no planeta. Tem tido um papel destacado para as crianças e jovens na educação, e, além deles mesmos, para suas famílias e sua comunidade.
Com isso, o programa de educação contribui também para o objetivo do Akatu de maximizar a escala e a velocidade da sensibilização e mobilização das pessoas e seus grupos de referência para o consumo consciente.
Também se constatou que a implantação de projeto temáticos transversais sobre o tema do consumo consciente e sustentabilidade, nas várias disciplinas, é facilitada quando a escola já possui experiência no desenvolvimento de projetos dessa natureza.
O modelo formativo utilizado é o semipresencial, subordinado à existência de um formador local e de uma ferramenta funcional para gerar resultados mais positivos e com melhor possibilidade de expansão em escala, frente ao modelo presencial ou virtual.
Usar o consumo consciente como tema transversal tende a ser muito bem aceito pelas escolas, porque contribui também para o sucesso do processo educativo e para o engajamento de alunos, professores e comunidade escolar.
O uso das Metodologias Pedagógicas do Akatu é um elemento estruturante muito adequado para a construção dos projetos temáticos e para a elaboração dos materiais de apoio para os professores e para os alunos.
A experiência com o Akatu Mirim mostrou que a interatividade, seja presencial ou virtual, foi fator essencial na motivação das crianças e adolescente no processo de aprendizagem. E o uso de internet em sala de aula foi muito bem aceito pelos professores por ampliar os recursos didáticos e oferecer uma fonte de pesquisa diversificada.
“Um novo olhar sobre o plástico” mostrou que os projetos que envolvem toda a escola e o tema do consumo consciente como componente transdisciplinar apresentam maior consistência metodológica e levam a ações de longo prazo. E que os professores têm interesse em conhecer boas práticas de outras escolas que possam gerar novas ideias para sua atuação.
NOTAS
- Worlwatch Institute, State of the World, 2010.
- WWF, Living Planet Report, 2012.
This article was published on October 17th: International Day for the Eradication of Poverty in Global Education Magazine