Entre planejamento e execução: atividades de Educação Ambiental na Educação de Jovens e Adultos brasileiros
Universidade Federal de Ouro Preto, Instituto de Ciências Exatas e Biológicas, Departamento de Biodiversidade, Evolução e Meio Ambiente. Programa de Pós-Graduação em Ecologia de Biomas Tropicais
e-mail: dirguedes@yahoo.com.br / website: www.naraiz.wordpress.com/
Pedro Luiz Teixeira de Camargo
Universidade Federal de Ouro Preto, Escola de Minas, PROÁGUA, Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade Socioeconômico e Ambiental
e-mail: pedro0peixe@yahoo.com.br
Universidade Estadual de Maringá, Departamento de Bioquímica. Programa de Pós-Graduação em Biologia Celular e Molecular
e-mail: marschalk_cbio@hotmail.com
Disponível para cegos
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Resumo: A educação ambiental (EA) é uma dimensão dada ao conteúdo e à prática educacional orientada para a resolução dos problemas ambientais, através de um enfoque interdisciplinar e participação ativa de cada indivíduo e da coletividade. Deve estar em consonância com uma educação libertadora, constituída por uma prática educacional permanente, ampla, que estimule mudanças de comportamento e posicionamento crítico. Fica claro, portanto, que na Educação para Jovens e Adultos (EJA) devem ser realizadas ações de educação ambiental, mas surge uma questão: como fazer? Neste texto, relatamos um pouco de como planejamos e realizamos atividades de EA com alunos de EJA. Durante o planejamento, nosso foco era conseguir colocar o aluno como sujeito de seu próprio conhecimento. Neste sentido, buscamos formas de fazer com que as atividades fossem além da memorização de informações, mas que fizessem sentido para a vida do aluno. Alguns dos desafios que envolveram estas atividades referem-se à complexidade dos problemas ambientais, diversidade de conceitos e a linguagem. Para contornar isto, focamos a realização das atividades em duas estratégias complementares: linguagem acessível e contextualização. Desta forma, as atividades foram realizadas tomando como exemplo fatos do cotidiano dos alunos, em constante exercício de transposição didática. O trajeto entre o planejamento e execução de atividades de EA na EJA, geralmente, não é um processo linear e simples. Apesar disto, a contextualização, diálogo e respeito pelos alunos são pontos chave para um bom resultado destas atividades.
Palavras-chave: Meio Ambiente, Contextualização, Conscientização Ambiental.
Between Planning and Execution: Environmental Education Activities in the Education of Youth and Adult Brazilian People
Abstract: Environmental Education (EE) is a dimension given to the content and educational practices aimed at resolution of environmental problems through an interdisciplinary approach and active participation of each individual and the collectivity. Should be in line with a liberating education, consisting of a permanent educational practice, wide, which encourages behavior changes and critical positioning. It is clear therefore that the Youth and Adults Education (YAE) should be performed environmental education, but a question arises: how do? In this paper we describe a bit of how we plan and perform activity with students from EE in YAE. During planning, our focus was able to put the student as an individual with their own knowledge, in this sense, we seek ways to make activities were beyond the memorization of information, they make sense for the student life. Some of the challenges surrounding these activities relate to the complexity of environmental problems, diversity of concepts and language, to counter this, we focus on the implementation of activities in two complementary strategies: accessible language and context. Thus, the activities were carried out by the example of the everyday facts of the students, in constant pursuit of didactic transposition. The path between the planning and implementation of EE activities in adult education generally is not a simple and linear process. Nevertheless, contextualization, dialogue and respect for students are key points to a successful outcome of these activities.
Key-words: Environment, Contextualization, Environmental Awareness.
Introdução
A educação ambiental se constitui em uma forma abrangente de educação, que se propõe atingir todos os cidadãos, através de um processo pedagógico participativo permanente, que procura incutir no educando uma consciência crítica sobre a problemática ambiental, compreendendo-se como crítica a capacidade de captar a gênese e a evolução de problemas ambientais (Loureiro, 2006). Para ser bem ensinada e bem aprendida, a educação ambiental tem de ter relação com a vida das pessoas, o seu dia-a-dia, o que elas veem e sentem, o seu bairro, a sua saúde, as alternativas ecológicas. Caso contrário, é artificial, distante e pouco criativa (Minc, 1997, p. 61).
No caso específico da Educação de Jovens e Adultos (EJA), cujo público possui características peculiares (Haddad, 2007), sendo composto principalmente por adultos trabalhadores que buscam integração social com expectativa de melhores empregos, além de jovens que não tiveram êxito no ensino regular, é possível observar desmotivação para aprendizagem, a qual se reflete num baixo entendimento dos conceitos aplicados nas aulas de ciências e na aplicabilidade de práticas de preservação ambiental (Marschaik et al., 2011).
A Educação Ambiental e suas práticas devem estar atentas à complexidade das relações entre sociedade e ambiente, visando à construção coletiva do conhecimento. Somado a isto, deve buscar uma melhor aprendizagem e percepção das questões ambientais, melhorando sua forma de expressão, contribuindo para uma participação mais efetiva destes sujeitos, melhorando a integração entre eles, desenvolvendo a criatividade e fortalecendo a sensibilização em relação à Educação Ambiental no processo escolar de jovens e adultos, que deve ser realizada de forma comprometida com o desenvolvimento dos alunos (Alves, 2000).
Dentro deste contexto, é clara a necessidade de mudar o comportamento do homem em relação à natureza, no sentido de promover, sob um modelo de desenvolvimento sustentável, a compatibilização de práticas econômicas e conservacionistas, com reflexos positivos evidentes junto à qualidade de vida de todos. Mas surge uma questão desafiadora: como proceder, ainda mais quando se trata de jovens e adultos? Pensando nisto, reunimos neste texto relatos das nossas dificuldades em tratar de temas ambientais com este público.
As experiências relatadas referem-se a projetos de pesquisa que tiveram parte de seus dados publicados por Marschaik et al. (2011) e Camargo e Lamim-Guedes (2012). Contudo, focaremos as atividades realizadas, no sentido de avaliar os pontos positivos e negativos das estratégias utilizadas.
Planejando as atividades
Em relação à EJA, o principal objetivo do educador deve ser colocar o aluno como sujeito de seu próprio conhecimento, ainda mais quando se trata de educação ambiental, algo novo para eles. Segundo Freire (2002, p. 29), “percebe-se, assim, a importância do papel do educador, o mérito da paz com que viva a certeza de que faz parte de sua tarefa docente não apenas ensinar os conteúdos, mas também, ensinar a pensar certo”, mostrando um caminho e fazendo parte do processo de aprendizagem.
Além disto, a incompleta e, geralmente, deficiente educação formal que os alunos da EJA tiveram não é suficiente para que eles dominem adequadamente os conteúdos apresentados, o que não é diferente no ensino de Ciências (Camargo e Lamim-Guedes, 2012). Mostra-se importante, para o sucesso nesta temática, mudar o papel do homem em relação à natureza. Caso contrário, as práticas da EJA em relação ao meio ambiente continuarão sem atingir resultados significativos, sobretudo numa perspectiva de educação libertadora, conforme proposta por Paulo Freire (2002).
Em relação ao ensino de ciências naturais, observa-se que este, em muitas situações, ainda está voltado para a memorização de conceitos científicos. Para Vygotsky (1987, apud Mortimer e Scott, 2004), “o processo de conceitualização é equacionado com a construção de significados, ou seja, que o foco é no processo de significação, que são criados na interação social e então internalizados pelos indivíduos”. Portanto, há necessidade de mudar a prática pedagógica aplicada, a fim de melhorar o processo ensino-aprendizagem, de forma que os alunos não apenas memorizem conceitos, mas tenham a oportunidade de dar significado ao conhecimento adquirido a partir de suas vivências, e que possam participar da tomada de decisões nas relações de ciência, tecnologia, sociedade e ambiente (Curvello e Latini, 2007).
O educador precisa estabelecer uma comunicação entre o conceito científico e as experiências vividas pelo aluno, respeitando as suas condições culturais. Não se trata de substituir concepções antigas por conceitos científicos, mas da “negociação de novos significados num espaço comunicativo no qual há o encontro entre diferentes perspectivas culturais, num processo de crescimento mútuo” (Curvello e Latini, 2007).
No ensino regular, a educação ambiental traz consigo, de maneira implícita, a dificuldade de reproduzi-la, devido principalmente à maneira abstrata que ela é trabalhada, geralmente distante da realidade dos alunos (Capra, 1984), sendo necessário e fundamental mudar a roupagem do ensino desta matéria transdisciplinar. E esta nova roupagem tem uma palavra para defini-la: contextualização.
Neste sentido, a contextualização deve ser o ponto central no planejamento das ações de educação ambiental, sobretudo para EJA. Isto é, realizar a aproximação do aluno aos problemas com os quais ele convive. Desta forma, na palestra realizada no Centro de Educação de Educação Básica de Jovens e Adultos (CEEBJA) em União da Vitória, Paraná, Brasil, na qual foram exibidas imagens com equipamento multimídia, a seleção de imagens reproduzia situações cotidianas dos alunos, como o problema da destinação final do lixo. Além disto, todo o discurso buscou utilizar o conhecimento científico relacionado aos impactos ambientais e ações antrópicas, utilizando uma linguagem acessível e evitando muitos jargões técnicos, em uma tentativa contínua de transposição didática.
Foi planejada a utilização de um questionário com 20 questões fechadas, relativas à avaliação de atitudes cotidianas ambientais tomadas pelos alunos – o qual foi respondido individualmente, como parte integrante da avaliação da palestra. Mas, antes de ser importante para o professor compreender o desempenho dos alunos durante a atividade, este tipo de avaliação é interessante por ser mais um momento de reflexão. Além disto, esta atividade permite que os alunos treinem habilidades como leitura, escrita, organização de ideias e argumentos e o pensamento crítico.
Na atividade desenvolvida no distrito de Miguel Burnier, Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil (Camargo e Lamim-Guedes, 2012), buscou-se utilizar os mapas conceituais como estratégia para compreender a concepção de um conceito chave, no caso, o termo biodiversidade, que também facilitaria a compreensão de conectividade entre vários fatores – característica própria da temática ambiental. Juntou-se a isto, o intuito de facilitar a contextualização, com os alunos montando o mapa conceitual com palavras análogas entre aspectos cotidianos e o conceito chave usado adotado no mapa conceitual. Também neste caso, algumas habilidades foram treinadas, a grafia, o enriquecimento de vocabulário e a articulação de ideia e conceitos. Segundo Moreira e Buschevitz (1993), a utilização dos mapas conceituais é uma metodologia usada para se medir o conhecimento ou como complemento curricular.
Nesta atividade, como o profissional responsável era o próprio professor da turma, ficou mais clara a inserção nos conteúdos tratados. Portanto, foi mais uma atividade de um trabalho longo de formação de cidadãos mais conscientes da realidade ambiental do local que vivem. O que, do ponto de vista da educação ambiental, é muito importante, já que esta deve ser contínua.
Realização das atividades
O desenvolvimento da atividade, no caso da EJA, é muitas vezes complexo e, eventualmente, de difícil previsão. Neste sentido, podem ocorrer ocasiões em que a linguagem torna-se inadequada, sobretudo pela dificuldade em explicar conceitos ambientais.
No CEEBJA de União da Vitória, Paraná, Brasil, foi realizada uma palestra sobre Educação ambiental com 12 alunos da EJA do ensino fundamental, com o auxílio de imagens projetadas utiliazndo equipamento multimidia e vídeos curtos para ilustrar problemas ambientais e atitudes pessoais. Foram realizadas perguntas ao longo da palestra para estimular a participação dos alunos e também para situá-los com relação ao tema abordado bem como para deixá-los mais a vontade.
Em Ouro Preto, as atividades foram realizadas com 43 alunos das séries finais do ensino fundamental regular e da EJA da Escola Monsenhor Rafael, localizada no Distrito de Miguel Burnier. O objetivo, neste caso, era entender o conceito de biodiversidade por parte dos alunos. Esta pesquisa foi realizada durante as aulas de ciências em diferentes turmas de EJA e executada pelo próprio professor da disciplina, durante uma aula de 50 minutos em cada turma. Inicialmente, foi explicado aos alunos como seria a atividade e que se tratava de um projeto do professor, de forma que pode-se consultar os alunos sobre a concordância destes para a realização da atividade.
Com a anuência dos alunos, deu-se início a confecção dos mapas conceituais distribuindo-se folhas de papel. Foi escrito no quadro-negro a palavra “biodiversidade” e explicado como deveriam proceder. Isto é, que os alunos deveriam escrever “biodiversidade” na folha e puxar setas, escrevendo palavras que, no seu entendimento, teriam relação com o conceito de biodiversidade.
Ao longo da atividade, surgiram várias dúvidas de como deveriam confeccionar os mapas conceituais, sendo prontamente resolvidas e respondidas pelo professor. Tais dúvidas e dificuldades de compreensão são típicas da EJA, uma vez que o âmbito do sujeito-história-linguagem nunca acontece como deveria, deixando o aluno literalmente perdido (Orlandi, 2000).
A atividade começou após 15 minutos da entrada do professor em sala, e durou cerca de 30 minutos. Os alunos realizaram os mapas de forma tranquila e serena, o que nem sempre acontece nestas turmas. Este é mais um exemplo de que, quando se tem atividades diversificadas, a aula tende a render mais e os alunos, a participarem mais.
Após o término da atividade, os alunos foram estimulados a comentar o que cada um achou da atividade e para que esta serviria. Entretanto, a maioria preferiu não opinar, refletindo uma baixa autoestima, um dos pilares que ainda necessita ser trabalhado dentro da EJA.
Resultados das atividades
Os resultados esperados são dificilmente mensurados, por se tratarem de mudanças da percepção sobre o ambiente e induzir alterações de comportamento. Com isto, não esperávamos um grande resultado das avaliações finais.
Em União da Vitória, percebemos que há um desconhecimento sobre as questões ambientais e que não há relação entre a idade dos alunos, o grau de conhecimento e consciência ambiental apresentado por eles (Marschalk, et al., 2011).
Em Ouro Preto, nenhum mapa conceitual apresentou concordância entre as palavras citadas e o conceito de biodiversidade. Mesmo naqueles em que foram citadas palavras que têm alguma relação com o conceito de biodiversidade, também foram citadas palavras que não fazem sentido. Assim, podemos inferir que os alunos que participaram da atividade proposta não têm uma percepção clara do que significa o conceito de biodiversidade, apesar de alguns terem feitos correlações corretas (Camargo e Lamim-Guedes, 2012).
Mais do que esperar boas respostas ou altas pontuações em testes, o foco deve estar no processo de mudança dos alunos, de forma a se tornarem mais críticos e conscientes de suas atitudes perante o ambiente. A Educação Ambiental na EJA busca levantar alguns conceitos que irão contribuir para a formação de cidadãos conscientes e aptos a atuar na realidade social de modo comprometido com a vida. Quando falamos em Educação Ambiental, é como se nos referíssemos a esperança, saúde e vida (Alves, 2000).
Considerações finais
O trajeto entre o planejamento e execução de atividades de educação ambiental na EJA, geralmente, não é um processo linear e simples. A complexidade dos problemas ambientais, diversidade de conceitos e a linguagem são aspectos que dificultam o desenvolvimento das atividades. Neste texto, ressaltamos que, apesar disto, a contextualização, diálogo e respeito pelos alunos são essenciais, assim como são também e os pontos chave para obtenção de bons resultados das atividades.
Bibliografia
Alves, R. T. (2000). Educação Ambiental: um desafio aos educadores? Marília: Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Dissertação de Mestrado em Educação.
Camargo, P. L. T.; Lamim-Guedes, V. (2012). Uma avaliação do conceito de biodiversidade segundo alunos de uma escola rural de Ouro Preto – Minas Gerais. Educação Ambiental em Ação.
Capra, F. (1984). O Tao da Física. São Paulo: Cultrix.
Curvello, T. C. V.; Latini, R. M. (2007). Ensino de Ciências e ambiente na Educação de Jovens e Adultos. Educação Ambiental em Ação.
Freire, P. (2002). Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Haddad, S. A (2007). Educação Continuada e as políticas públicas no Brasil. Revista de Educação de Jovens e Adultos (1-113). Disponiel em http://www.oei.es/noticias/spip.php?article985.
Loureiro, C. F. B. (2006). Complexidade e Dialética: Contribuições à praxis política e emancipatória em Educação Ambiental. Educ. Soc., Campinas (131-152).
Marschaik, C.; Oliveira, E. P.; Lamim-Guedes, V.; Silva, M. (2011). Conscientização e avaliação das atitudes ambientais de alunos de ensino fundamental do Centro de Educação Básica de Jovens e Adultos de União da Vitória, Paraná. Educação Ambiental em Ação.
Minc, C. (1997). Ecologia e Cidadania. São Paulo: Moderna.
Moreira, M. A. e Buchweitz, B. (1993). Novas estratégias de ensino e aprendizagem: os mapas conceituais e o Vê epistemológico. Lisboa: Plátano Edições Técnicas.
Mortimer, E.F. e Scott, P. (2004). Atividade Discursiva na Sala de Aula de Ciências: uma Ferramenta Sociocultural para Analisar e Planejar o Ensino. Investigações em Ensino de Ciências. Disponível em http://www.if.ufrgs.br/public/ensino/vol7/n3/v7_n3_a7.htm
Orlandi, E. P. (2000). Análise de discurso. Princípios e procedimentos. Campinas: Pontes.
Vygotsky, L.S. Thinking and Speech (1987). In: Rieber, R.W.; Carton, A.S. (Eds.) The Collected Works of L.S. Vygotsky (pp 39-285). New York: Plenum Press.
This article was published on January 30th: School Day of Non-violence and Peace in Global Education Magazine